Sexta-feira, 29 de Julho de 2011
O Milo vai nu !...


Era uma vez uma cidade chamada Guimarães, onde vivia um Regente muito vaidoso.

El-Rei Dom Afonso Henriques tinha partido com as Cruzadas para combater os infieis, e Milo tinha sido aclamado pelo Povo da cidade como o seu novo Regente.

Milo gostava de se vestir bem, mas gostava mais ainda que o admirassem e elogiassem por esse facto.

Vivia tão obcecado pela sua imagem, que facilmente caiu na lábia de um aldrabão de orelhas muito grandes, que tinha vingado na vida, vendendo rodas de carroça - um mouro conhecido por Khadafi, Mestre de Rodas de Carroça...

– Vossa Regência, hum hum, eu sei que vós gostais de andar sempre muito bem vestido. Bem vestido como ninguém, e bem o mereceis. Lá no meio das minhas rodas, descobri um tecido fantástico. O tecido é tão fantástico, hum hum, que só os mais inteligentes o conseguem ver. Com umas vestes assim, ireis poder distinguir, na vossa Corte, os mais inteligentes dos mais estúpidos.

Surpreendido pelas palavras do homem das orelhas grandes, disse:

– Mas isso é efectivamente maravilhoso. Traz-nos já, portanto, esse tecido e faz-nos as nossas roupas, para que nós póssamos ver a inteligência das pessoas que efectivamente estão ao nosso serviço.

O aldrabão das orelhas grandes tirou-lhe as medidas e, passadas umas semanas, voltou à presença do Regente Milo, dizendo-lhe:

– Aqui está, Vossa Regência, hum hum…

Milo não via nada, absolutamente nada, mas como não queria passar por estúpido, disse, como se estivesse verdadeiramente deslumbrado:

– Alá seja... Perdão, Deus seja louvado. É efectivamente maravilhoso. Eu nunca esteve… queremos dizer… nós nunca estivemos tão felizes. O brilho... E, portanto, o toque…

E então, o homem das orelhas grandes fez de conta que vestia o Regente, com gestos largos e cerimoniosos, e sempre com observações muito elogiosas.

Que elegância, Vossa Regência, hum hum. Que inveja vão ter de vós. E a única coisa que vos peço em troca é que assineis este acordo em que vós…

Milo estava tão entusiasmado, que nem quis saber o que dizia o tal acordo. Interrompeu o aldrabão das orelhas grandes e disse:

Sim, sim. Nós assinamos, claro que assinamos. E nem queremos, portanto, saber o que para aí escreveste. Por certo não nos irias bojardar com coisas que não fossem razoáveis. De certeza que efectivamente não terias a ousadia de nos achingalhar…

E foi assim que o Regente Milo assinou um acordo que ainda hoje ninguém sabe ao certo o que dizia, à excepção do seu novo amigo – o aldrabão das orelhas grandes.

Nos dias seguintes, na Corte, como ninguém queria passar por tolo, todos diziam que sim, que eram umas vestes deslumbrantes, e que nunca antes tinham visto algo assim.

As notícias correram céleres como o vento: o Regente tinha umas vestes que apenas os mais inteligentes eram capazes de ver. 

Milo estava tão orgulhoso de si e das suas vestes, que ainda nessa mesma semana resolveu sair para se pavonear perante o seu povo.

Toda a gente fazia expressões de grande surpresa e admiração, pois embora ninguém conseguisse vislumbrar qualquer peça de roupa, a verdade é que também ninguém queria passar por estúpido, tal como havia sido largamente anunciado.

Mas, de repente, as crianças e os mais jovens, que não se preocupavam com aquilo que os outros pudessem pensar, gritaram bem alto:

– O Milo vai nu !...

O alarido parou repentinamente, cortado por um silêncio sepulcral.

Mas, ao contrário daquilo que reza o conto de Hans Christian Andersen, o povo não rebentou em gargalhadas ao perceber que tudo aquilo não passava de um enorme embuste.

Apesar de todas as evidências, ninguém quis ver a realidade.

O povo gostava mais das migalhas que o Regente lhe dava de quando em vez, e das feiras e romarias com que frequentemente lhe toldava o sentido crítico.

O povo preferia a certeza das migalhas e as falsas promessas de um futuro melhor.

Aquilo que o povo não era capaz de compreender, era que o Reino lhe podia proporcionar maior riqueza e ainda maior felicidade.

E foi por isso que, ao contrário daquilo que se passou no conto tradicional, o Regente Milo não se sentiu nem enganado pelo aldrabão das orelhas grandes, nem envergonhado pelo facto de andar nu.

As crianças foram castigadas, aos jovens foram-lhes prometidos julgamentos em praça pública, e todos continuaram a fazer de conta que eram verdadeiramente deslumbrantes as vestes que usava o Regente.

E foi assim que a vida continuou, no Reino de Guimarães, com o povo a viver "feliz" no seio da mediocridade…

 

José Rialto

 



publicado por Miguel Salazar às 10:00
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2 comentários:
De Rui Cunha a 15 de Agosto de 2011 às 11:25
Caro Miguel Salazar,

não sei se já está a pensar nisso, mas acho que era justo uma homenagem à vitória no Campeonato de Futebol de Praia com uma caricatura sua :D

abraço


De Miguel Salazar a 16 de Agosto de 2011 às 00:24
Rui,
Já pensei nisso, e gostaria muito de lhes fazer essa homenagem.
Não sei é se vou ter material (fotografias) para a fazer.
A ver vamos (quando terminar as minhas férias)...


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