Como os Portugueses por força de armas ganharam a Fortaleza dos inimigos, a qual desfizeram de todo

“Dada a ordem que temos contado, chegado o dia que o nosso Capitão desejava, saindo antes de romper a manhã por diversas portas os batalhões, cada um começou a caminhar para a parte que lhe fora apontada: como os dois tinham o caminho mais comprido, foi necessário deter-se o de João Pereira, quanto tempo pareceu bastante para chegarem os outros; e porque a Fortaleza inimiga estava perto, tanto quanto Salvador Ribeiro entendeu ser ocasião, fez que o Capitão Pereira marchasse, ao que obedeceram com alegria os Soldados, os quais, passando em breve espaço a cava, postas as escadas ao muro, subiram a ele por entre nuvens de fumo, fogo e pedras. Capitães e Soldados grandemente se avantajaram naquele assalto, entre os quais um dos primeiros foi o Capitão João Pereira. Os inimigos, como estavam de aviso, e as alcanzias não puderam penetrar as redes, começaram a fazer muito dano nos nossos, matando ao Capitão João Pereira, que pelejando valorosamente como alentado Fidalgo, ganhou fama imortal. Com a falta de homem tão principal e animosa resistência dos bárbaros, se foram muitos Portugueses retirando com tal confusão, que alguns não pararam senão no nosso Forte, aonde afirmaram ser perdida a jornada e morto Salvador Ribeiro, o qual, vendo a desordem dos seus (ainda que naquele dia determinara fazer mais ofício de Capitão que de Soldado) subido ao muro, num instante mandou aos que ficaram cortar as cordas com as espadas para as alcanzias fazerem efeito, e dando grandes vozes, para que com estímulo da honra confirmasse os que pelejavam, e detivesse os que desciam, à vista de todos (sendo já entrado o dia) se arremessou no interior da Fortaleza entre os mais apinhoados inimigos (como Alexandre em Oxidraca) causando aos seus inveja e espanto, e terror aos bárbaros inimigos.”

Manuel de Abreu Mouzinho em Breve Discurso em que se conta a conquista do Reino do Pegu na Índia Oriental